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domingo, 14 de abril de 2013

UM DESAFIO: UMA RECEITA SUBTILMENTE FRUTADA E UMA HISTÓRIA COM LIVROS, TERRAS E COMIDAS


A história que embrulha esta receita tem a ver livros e com o meu amor pelas terras meridionais, nas quais se fazem sentir o calor e o Sol que me dão a energia de que preciso para me sentir viva e completa.
Sou do Norte mas não tenho saudades nem dos nevoeiros nem da chuva nem do frio. Gosto de luz intensa e do calor doce que nos acaricia o corpo como veludo, de noites de Verão sem brisa que dispensam os casacos e outros agasalhos das praias da costa verde. Gosto dos cheiros das estevas, das ervas que se usam para enriquecer os comeres simples e despojados de gorduras e de vitualhas, da fragância das tílias floridas de Junho, dos campos azuis de alfazema, dos tomilhos, salvas e alecrins; das infusões de bela-luísa, das Páscoas perfumadas pelos laranjais em flor; gosto da gritaria das cigarras ao meio-dia, de dormir a sesta e de me banhar no mar cálido do fim da tarde.
Outra coisa de que gosto é de ler. E foi lendo os livros de Marcel Pagnol (a Tetralogia Souvenirs d'Enfance, leitura obrigatória do 5º ano do Instituto Francês nos tempos em que lá andei) que pela primeira vez ouvi falar da Provença. Mais tarde, o que idealizei das terras e das gentes foi sendo concretizado pelas imagens dos Mas, das chitas da Souleiado, das venezianas e portas cor de alfazema que pontuavam nas revistas de decoração que lia. O gosto pela pintura impressionista fez-me saber que muitos pintores da segunda metade de oitocentos haviam buscado na Provença a luz que lhes faltava no Norte sombrio e austero. Tudo isto fez aumentar a curiosidade e a vontade de conhecer essa terra, que, por fim, visitei por duas vezes.

Descobri então que não existe uma mas antes várias Provenças – a chique e cosmopolita Côte d’Azur, de que Nice e o seu Passeio dos Ingleses são expoente maior, a Alta Provença, tão acidentada que nela se situa o maior desfiladeiro da Europa (Les Gorges du Verdon), a Provença alpina que faz fronteira com a Itália e a Suiça, a Provença da Camargue, de planícies alagadas, com touros e cavalos selvagens, a Provença barrocal do Lubéron com as suas pequenas cidades que mais parecem esculturas talhadas nos montes e cujo denominador comum são as cores de terra, do ocre à ferrugem (que baptiza o Roussillon), a Provença culta de Avignon (cidade de Papas) e Aix (berço de Cézanne e dotada de mil e uma fontes), a Provença de Grasse, terra-mãe dos perfumes que rematam a nossa “toilette” diária e onde ainda subsistem mestres perfumistas como Fragonard (autor do perfume que continuo a usar todos os dias) e Moulinard, a Provença herdeira da Provincia de Roma, com as suas arenas, pontes e aquedutos, imponentes apesar dos mais de 2000 anos de idade, e, claro, a Provença dos pintores.
No que respeita a sabores, a Provença é digna representante e herdeira das tradições mediterrânicas que também inspiram o Alentejo e o Algarve. Em Saint Rémy-de-Provence comprei o livro “A Table in Provence”, escrito por Leslie Forbes, uma inglesa que deu a conhecer aos seus as comidas meridionais (dela também tenho “A Table in Tuscany”). Depois desse, outros livros de comeres provençais foram chegado à minha cozinha. E, quando me lembro – ou sobretudo quando preciso de reencontrar o “meu estado de espírito” – é neles que me vou inspirar para os meus cozinhados. São receitas geralmente saudáveis, mas sempre que necessário, faço adaptações para evitar os meus “inimigos” – as gorduras animais, o açúcar – e muito simples e autênticas, tributárias dos valores da macrobiótica de que devemos comer o que a nossa terra nos dá em cada estação do ano.

A receita que ilustra este post é originária de um chef de um restaurante de Arles e não será o exemplo típico de um prato provençal tal como o imaginamos. Mas é de uma simplicidade quase infantil, demora, com todos os acompanhamentos (sopa incluída), apenas uma hora a cozinhar e o resultado final é extremamente refinado pois os sabores vão-se impondo com uma elegante subtileza. A seu propósito, diz o chef autor que “Cozinhar o peixe assim não é bem praticar cozinha”. Permito-me discordar – cozinha é, precisamente, isto: tirar o máximo sabor dos alimentos com o mínimo de ingredientes, temperos e tempo. Merci Monsieur Dumas!
 
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Apesar de ser um prato de peixe, responde ao desafio da Mané, que nos pede receitas com fruta para a festa do segundo aniversário do seu blog O Bolo da Tia Rosa.  
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TAMBORIL A VAPOR COM COMPOTA DE LARANJA E LIMÃO (*)
Ingredientes
Um punhado de algas (dulse)
Um lombo de tamboril com aproximadamente 800gr.
gomos de uma laranja e de um limão
3 colheres de sopa de azeite
Sal grosso e pimenta preta moída na ocasião
Confecção
Cozinhar os gomos dos citrinos num tacho com o azeite em lume brando, sem deixar fritar, até ficarem confitados (cerca de 30 minutos), coar, separando o azeite da pasta de citrinos.
Colocar as algas num cesto de cozer a vapor e o lombo do peixe sobre as algas, temperar com sal grosso, tapar e deixar cozer (cerca de 30 minutos).
Quando o peixe estiver cozido, corta-lo em rodelas que se colocam em pratos pré-aquecidos, cobrindo com o molho de azeite. Servir acompanhado de uma bola de arroz integral cozido em caldo de peixe com molho de cheiros (hortelã, salsa e coentros) e um colher de sopa da pasta de citrinos.
(*) A receita original era com robalo mas acho que o robalo é um peixe que vale por si e decidi usar tamboril; este prato, incluindo a sopa, demorou mais ou menos 1 hora a preparar mas o caldo de peixe já estava feito (congelado).
 
 

 

1 comentário:

  1. MUITO OBRIGADA, por vires à minha festa.
    Gostei mesmo muito que o prato fosse de peixe e deixei-me envolver pela tua história.
    Estou com um sorriso de orelha a orelha por tão agradável surpresa, sinceramente agradeço.
    beijinho

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