“Meninos, vêm aí os
avós, vamos fazer bolachas?!”
Mal tinha acabado de proferir estas palavras, respirei
fundo, enchi de ar o peito e enchi-me a mim de coragem, toda a coragem
necessária para fazer bolachas, algo que não casa bem comigo, e para convocar
outras gerações para a cozinha, daquelas gerações que adoram meter as mãos na
massa, não propriamente para a trabalhar, antes para sujar mãos, caras, bibes,
roupa, cabelos e tudo o que estiver à volta….
Enquanto escolhia as receitas de bolachas mais alinhadas com o meu regime alimentar – ou seja, sem gorduras animais ou hidrogenadas, nem açúcar – e preparava os utensílios (taças, colher de pau, tabuleiros, rolo de massa) e os ingredientes necessários, vi-me rodeada de quatro mãos que pareciam dez lagartixas que desalinhavam tudo o que eu ia arrumando.
Voltei a respirar fundo e olhei aquelas caras matreiras cujos sorrisos me acariciavam o coração e pus um ponto de ordem com um ríspido “Então! Meninos!”. Acanharam-se, simulando uma vergonha que eu bem sabia não ser genuína.
Decidi que a melhor maneira de os vencer seria juntar-me
a eles e defini que nós, os Três da Vida Airada, tínhamos um Projecto muito
importante (preparar o lanche para os avós) que teria que estar pronto a horas,
e estabeleci que eu seria o comandante–em-chefe responsável pela execução do
projecto e pelas partes mais perigosas do mesmo – tais como as que implicassem
forno -, “chocolate” seria instrumentista, na medida em que me iria passando os
utensílios, e “copinho de leite” leria a receita, o que fez naquele ritmo
soluçante característico de quem aprendeu a juntar letras há pouco tempo.
A coisa melhorou. Realisticamente, eu sabia que a partir daí só poderia piorar… mas enquanto estiveram concentrados nas suas tarefas, com o sentido de urgência e importância de uma verdadeira missão, as bolachas foram tomando forma até entrarem no forno. O tempo de cozedura e de arrefecimento foram suficientes para limpar restos de massa que se haviam infiltrado nas unhas, cabelos, cotovelos, nariz, mudar de roupa, pentear e pôr a mesa, para o que convoquei nova Missão e definição de tarefas.
Enquanto isso, “copinho de leite” ia-me contando que tinha aprendido umas anedotas novas “super fixes” para contar ao avô – mas só ao avô, porque eram anedotas “só p’ra homens”, frisava muito sério e compenetrado do alto dos seus longos, vividos e experimentados seis anos, e “chocolate“, domando a rebelde cabeleira frisada de caracóis, fazia um totó no alto da cabeça com um lacinho cor-de-rosa e torcia-se em frente do espelho para apanhar o seu melhor ângulo.
Lavados e limpos, sentaram-se no sofá à espera dos avós,
enquanto liam os livros de contos e da Enid Blyton que já tinham sido meus e, antes disso, de
meus irmãos.
Olhei-os, um louro e branco, outra morena e cabelos
escuros, cabeças recolhidas na leitura atenta das aventuras que os faziam
sonhar quando partiam para férias no campo, em cada da outra avó.
A campainha tocou e três vozes gritaram em uníssono – “Chegaram os avós!”
A partir daí, o resto da tarde passou-se entre abraços,
mimos, “anedotas d’homens”
sussurradas por um, que não as percebia, a outro que, mesmo que quisesse
percebê-las, não as ouvia, brincadeiras e claro, as nossas bolachas feitas com
todo o amor e carinho para receber os avós, acompanhadas de um verdadeiro chá
inglês (chocolate caseiro para “copinho de leite”
e “chocolate”), a que se juntaram outras gulodices trazidas pelos avós, mas só
para os netos.
No fim desse longo dia, depois de todos os mimos dos avós queridos e partidos estes, à hora de deitar, entre os beijos ensonados de boa noite, comentava-me “copinho de leite” que “Foi um dia tão bom, tão bom, fizemos tanta coisa que nem tenho pena de não termos televisão”.
Vejo-os adormecidos, livros ainda agarrados na ponta dos
dedos, abraçados num amor fraternal puro que fazia esquecer as muitas patifarias e
gritarias de todos os santos dias da sua infância.
Vejo-os sempre juntos, nas brincadeiras da praia, os
mergulhos no mar que deixavam os cabelos de “copinho de leite” agarrados à
cabeça como um “capa-sete” (como ele escrevia).
Ouço “copinho de leite” responder “Salgada!” (!) quando,
depois de ele ter ido ao banho, lhe perguntava como estava a água.
Relembro a invariável resposta de “copinho de leite” no
jogo da barquinha quando chegávamos à letra “C” – aqui vem uma barquinha carregadinha de “Çapatos”.
Sorrio quando “copinho de leite”, a quem lhe perguntava o
nome, respondia: “x”, somos os quatro “x”, sabe? O avô, o meu pai, eu e o “x”
da telenovela…”
Vejo-me ao lado de “copinho de leite” a posar para uma
fotografia, os nossos olhos da mesma cor doce de mel, tão doce como os mimos
que trocávamos.
Vejo “chocolate” acabada de levantar, cabelos em desalinho e algo mal-humorada, e “copinho de leite” a provocá-la
“Ui! O teu cabelo parece mesmo um relógio
estragado!”
Relembro “chocolate” a afagar os meus vestidos plissados ou franzidos
e a dizer “roda, roda! Tão lindo!”
E sei que irei conservar estas imagens para sempre no
fundo de um cofre feito do mais puro cristal que há na terra e que tem a forma
do meu coração.
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Este post representa uma dupla participação – no desafio da edição em curso do Convidei para Jantar, de que este blogue é anfitrião, e no Vamos fazer bolachas, patrocinado pelo blog Cravo e canela, este mês dedicado às crianças.
Juntei as bolachas com as crianças, num registo singular e muito pessoal.
A história, essa, é uma ficção baseada em acontecimentos reais…
E agora as receitas. Já aqui confessei que "a minha praia" não passa por fazer bolachas. Tive que procurar muito para encontrar algo que estivesse em consonância com o meu regime alimentar.
Duas das receitas (bolinhos de côco e corações de aveia) são do blog Nem acredito que é saudável, mas mesmo assim fiz algumas adaptações (algumas devido à falta de matéria prima). A receita dos bolinhos de azeite foi retirada do livro Cozinha Alentejana, de Alfredo Saramago e Manuel Fialho, já aqui referido bastantes vezes.
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Duas das receitas (bolinhos de côco e corações de aveia) são do blog Nem acredito que é saudável, mas mesmo assim fiz algumas adaptações (algumas devido à falta de matéria prima). A receita dos bolinhos de azeite foi retirada do livro Cozinha Alentejana, de Alfredo Saramago e Manuel Fialho, já aqui referido bastantes vezes.
Ingredientes 3 claras de ovo; 2 colheres de sopa de geleia de arroz; 160 gr de côco ralado light (que no caso, por falta de controlo de stocks, foi substituído em - grande - parte por farinha de amêndoa); Confecção Bater as claras em castelo firme. juntar a geleia e o côco, até formar uma pasta homogénea. Formar bolinhas que vão cozer em forno pré-aquecido cerca de 15 minutos.
Receita original aqui.
Receita original aqui.
Ingredientes: A) 1 chávena de chá de farinha de espelta, de flocos de aveia grossos e 1/2 chávena de côco light ralado; pitada de sal; 1 c. chá de bicarbonato e de canela; B) 1 chávena de chá de maçã ralada (no original era 1 chávena de cenoura ralada); 1 chávena de café de óleo de girassol; 3 colheres de gelado de geleia de arroz. Confecção: Misturar os ingredientes de A) muito bem e incorporar depois os ingredientes de(B), até estarem completamente misturados. Enformar como se quiser e levar ao forno pré-aquecido cozer durante cerca de 45 minutos.
Ingredientes: 250ml de azeite, 2 saquetas de fermento biológico, 500gr de farinha biológica T65, um pouco de água morna. Confecção: Aquecer o azeite até ferver com uma côdea de pão encharcada em vinagre para retirar qualquer sabor mais forte; numa chávena misturar o fermento com a água morna (com cuidado porque borbulha e pode vir por fora da chávena); misturar o fermento assim dissolvido com o azeite quente, colocar o líquido na máquina de fazer pão e acrescentar a farinha. Programar um programa rápido (15 minutos a amassar) que se interrompe antes de começar a levedar para voltar a bater 15 minutos. Levedar de seguida, duas vezes (8+8 minutos). Desligar a máquina, colocar em formas e levar ao forno a cozer (cerca de 45 minutos ( uma hora). A textura final é muito parecida com areias. É forte e deve casar bem com compota.
OLÁ!
ResponderEliminarGostei tanto desse dia passado entre gerações e relembrei as tardes passadas a fazer bolachas com o meu filho quando ele era dessas idades. Para quem diz que bolachas não é a sua praia, fazer três receitas diferentes é de uma enorme coragem. Cada uma melhor que a outra e a experimentar.
Bjnhos,
Manela