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domingo, 16 de junho de 2013

Convidei para Jantar três gerações da família (Ou "O Viajante")

Não podia deixar de participar nesta iniciativa do CpJ - Convidei para Jantar Outra Geração da Família -  já que o anfitrião é o Pão de Cereais, estando a mesma a ser tão bem dinamizada pela ptc. Seguindo as regras, recordo que o Convidei para Jantar é um passatempo do blogue Anasbergui.

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"Viajante" era o que escrevia no espaço destinado à profissão do pai, nos tempos em que frequentava a escola como aluna. Era assim que a minha mãe nos dizia chamar-se a profissão que fazia com que o meu pai se ausentasse de casa entre terça feira e sexta feira para vender cintos, malas, carteiras, mochilas, suspensórios - que ainda hoje são dignos de histórias -  e até cutelarias. Era pelo Alentejo e Algarve que quase sempre se deslocava, e à sexta feira era dia do balanço das contas. Havia semanas em que vinha mais cedo, quando as vendas não corriam de feição, e chegava zangado se as encomendas nem davam para cobrir as despesas do gasóleo.
Quando tinha encomendas a entregar mais perto, e se era dia em que não havia escola, ia tantas vezes com ele. Não fossem os enjoos quase constantes da viagem e esses dias seriam perfeitos. Uma das razões que tornavam esses dias especiais eram os almoços no restaurante: as batatas fritas aos palitos molhadas na gema do ovo estrelado, a feijoada ou o bacalhau cozido com grão. Chegávamos a parar logo na Cristina para uma sopa de feijão com massa esparguete, uma bifana e um sumol.
Desde essas alturas muita coisa mudou. Hoje as viagens são por mais perto e em vez de vender carteiras, compra cebolo, batata doce e pepino para plantar no quintal com a minha mãe, companheira de mais de cinquenta anos. Hoje as viagens são para um café com os amigos, para as pequenas compras do supermercado ou para um petisco em casa dos filhos. E foi para um desses petiscos que o fiz vir cá a casa, com a minha mãe e os outros filhos e os netos, num percurso que se fez sem enjoos e com um grande querer retribuir aquelas viagens em que me sentia a filha com o melhor pai do mundo.
A ementa seria surpresa. Tinha decidido que não ia alterar o meus hábitos alimentares e por isso não incluiria açúcar nem carne. Já que o fazia, para mim, por considerar ser uma cozinha mais saudável, não faria sentido que pensasse de outra forma para os que me eram tão queridos. Faria uma sopa - a minha mãe habituou-nos tão sabiamente a que refeição sem sopa não é refeição - um prato e alguma coisa simples de sobremesa. Lá em casa nunca fomos muito de doces, a não ser os pudins de ovos ou o pão de ló que a minha mãe faz ao domingo ou quando há festa.
Quando chegou o dia, acordei cedo e, depois do pequeno almoço e do passeio com a Amora, a cadela, que incluiu uma passagem pela dona Maria dos biológicos, no mercado, para comprar as cebolas, os cogumelos frescos, as lentilhas, os coentros e a rúcula, pus o avental dos cabritos que me deu a avó Sofia e dediquei-me de alma aos cozinhados.

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Creme de lentilhas com ervas frescas

Numa panela, para a base da sopa que ficará em creme, coloquei duas cebolas grandes cortadas em meias luas, 4 dentes de alho esmagados, 100 gramas de lentilhas laranja, 3 cenouras grandes cortadas em pedaços e 2 courgettes. Coloquei a água necessária à cozedura e deixei cozinhar lentamente. Quando levantaou fervura temperei com umas pedras de sal marinho.
Um pouco antes de terminar a cozedura, adicionei 2 a 3 colheres de sopa de flocos de centeio ou aveia. No final, triturei tudo muito bem com a varinha mágica, esse pequeno eletrodoméstico tão utilizado nas famílias portuguesas.

Já no momento de servir, o toque de frescura pode ser dado com coentros, agrião ou cebolinho.




Tofu frito com sêmola de milho, cogumelos salteados e salada de rúcula com sementes de sésamo

Cortei o tofu em fatias finas, coloquei-o numa travessa e temperei-o com molho de soja, sumo de um limão, 3 dentes de alho esmagados, umas gotas de gengibre e duas folhas de louro. Juntei ainda um pouco de água para que mais facilmente tudo ficasse bem impregnado de aromas e sabores.
Deixei ficar cerca de duas horas a marinar.

A fritura foi feita em óleo de graínha de uva (poderia ter sido em azeite ou óleo de amendoim). Para tal, passei o tofu num creme feito com farinha de trigo e um pouco de água com gás e fritei depois, em óleo quente.

Entretanto cozinhei a sêmola de milho: num tacho coloquei água a ferver com dois dentes de alho, um fio de azeite e um pouco de sal. Quando ferveu juntei, batendo sempre com uma vara de arames, a sêmola, na proporção de 3 de água para uma de sêmola. Deixei cozinhar cinco a dez minutos, mexendo sempre. Depois de cozinhado coloquei numa forma de bolo inglês previamente untada com azeite, alisei com uma colher de sopa molhada em azeite e juntei umas gotas de molho de soja. Foi ao forno mais uns cinco a dez minutos, até ficar com uma cor ligeiramente tostado.

Os cogumelos frescos, depois de cortados em tiras longitudinais, coloquei-os numa frigideira a saltear em azeite, alho e coentros.

A rúcula, essa servi-a crua numa taça, temperada com azeite e vinagre de ameixa, e polvilhada com sementes de sésamo tostadas.


Maçãs no forno com geleia de arroz

Depois de lavar bem as maçãs, descarocei-as, coloquei em cada uma delas um pau de canela e um pouco de geleia de arroz, e foram ao forno num tabuleiro. Dependendo das maçãs, ao fim de cerca de vinte minutos estavam prontas.



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Chegaram cedo - sempre me ensinaram lá em casa a pontualidade, que ainda hoje muito prezo. A mesa estava posta e nela havia pão de sementes, azeitonas, manteiga de alho, um jarro com água, sumo de fruta natural e uma garrafa de tinto do Sanguinhal. 
Fomos avançando na ementa, nos risos e nas conversas. Histórias nossas, histórias de amigos e conhecidos comuns, histórias da televisão e da política, histórias da história de portugal e do mundo. O tempo avançou assim devagar e com o à vontade tão bom das pessoas que não precisam de falar para se entenderem.
Antes de partirem trocámos beijos e abraços e os desejos de um até breve e de que o reencontro fosse também ele com saúde e bem estar. 

Convidei para jantar três gerações da família. A primeira, a minha e a terceira. Em todas elas está patente a alegria e bom humor que aprendemos desde cedo, apesar de tantas contrariedades que se viveram. A todas elas devemos o que somos hoje. A todas elas, um obrigada.

3 comentários:

  1. Fantástico, querida mana... Também eu me sinto perfeitamente enquadrada nessa harmonia! É por isso com alguma apreensão que os vemos (e nos vemos) envelhecer - mas é o curso natural da vida. Há que realçar acima de tudo, o tanto que nos trouxe, e continua a trazer, de muito bom.

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  2. És mesmo um espetáculo, querida(s) mana(s)... além de cozinheira fina (em todos os sentidos)... grande poeta de recordações! E as batatas fritas molhadas na gema do ovo, era mesmo coisa do outro mundo!!! Beijinhos, e eu estas lembranças nos tragam, acima de tudo, muita gratidão. Beijinhos aos membros das 3 gerações.

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  3. Oh Titi! Espectáculo! Eu por acaso estou na dúvida se deves dedicar-te a aprender/experimentar em culinária, ou se deves escrever um livro. Como já te disse várias vezes, a propósito da forma requintada como escreves no blog, que tu deverias mesmo escrever um livro! Posso ficar à espera? - Sentada ou de pé?
    Olha maninha, tu és mesmo boa nas duas coisas (e em muito mais, claro!) agora deixo-te escolher: se pudesses fazer as duas coisas era o ideal!

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