SABORES COM MEMÓRIA OU A MEMÓRIA DOS SABORES DAS FÉRIAS
Inicio esta nova temporada de “O meu Restaurante de
Sonho” – aquele que fica A Leste da Lua e a Oeste do Sol – com um prato que
convoca memórias.
Memórias de férias. Destas, ainda tão recentes mas já
arquivadas, digitalmente, numa pasta de fotografias com o nome de Férias 2013. A
que se juntam fotos doutras estadas no mesmo local, documentadas por
fotografias de papel, dispostas nos tradicionais álbuns de fotografias, tiradas
há oito, vinte, trinta anos…
Visitei a Madeira pela primeira vez há mais de trinta anos,
com pais e irmã. Estava a sair da adolescência e muito pouco desperta para
aquilo que agora busco quando viajo. As grandes novidades foram viajar pela primeira
vez de avião (e o medo associado, considerando os desastres que haviam ocorrido
em 1977 e 1978 no Aeroporto de Santa Catarina que, à época e visto do ar, mais
parecia um court de ténis do que um aeroporto…) e ficar alojada quinze dias num
hotel moderno, situado na novel zona balnear do Lido, dotado de piscina, eu que
de piscinas apenas conhecia as do Estádio das Antas, onde aprendi a nadar e
apanhei umas valentes alergias, não necessariamente por esta ordem. As belezas
naturais da ilha e o Reid’s não me “deslumbraram” – gostei medianamente. Lembro-me
com nitidez da vista do Pico dos Barcelos, de dia e de noite, mas fiquei farta
das atrevidas lagartixas pretas sempre que estava ao ar livre. Nas excursões que fizemos,
sobretudo na costa norte, tive um pavor de deslizamentos de terras, pedregulhos
e afins, e encomendei a alma ao criador de cada vez que uma camioneta se aproximava
da nossa, vinda em sentido contrário. Bebi uma poncha no Pico do Areeiro (onde
fazia uma temperatura muito agradável) e adorei. Fiquei com a certeza de que se
bebesse uma poncha nas madrugadas geladas e húmidas do Porto em que saía de casa
para ir para a faculdade às 7h30 da manhã teria muito mais energia e “pica”
para aguentar o dia que se seguiria…
Do ponto de vista gastronómico, provei pela primeira
vez o espada negro (duvido sequer que conhecesse o espada branco) e também não
me entusiasmei. Do que gostei a sério foi da espetada, do bolo do caco e do
milho frito e da brisa maracujá – nada de novo para uma pós-adolescente ainda
meia parva. Mas aquilo que vi e vivi na altura ficou gravado na minha memória
pois recordo-me do desfiar de recordações da segunda vez que lá voltei, alguns
anos mais tarde.
É que voltei à Madeira amiúde, em
trabalho, a que procurava sempre juntar o lazer, e algumas mais vezes em
férias. Estava na Madeira há vinte anos, quando ocorreram as cheias da madrugada
de 29 de Outubro de 1993, e vi a ilha transformar-se pela fúria da natureza. Nada
que tivesse invertido a acção humana que iria ser determinante nas consequências
muito mais dramáticas das cheias de 20 de Fevereiro de 2010, ainda visíveis na zona ribeirinha do Funchal.
Nessas subsequentes viagens, talvez porque já tivesse
viajado mais, aprendi a ver e a procurar a novidade, o particular, o diferente, e aprendi
a gostar da terra, que passei a olhar com encantamento.
Este ano regressei à ilha, disposta a desfrutar e a
descansar o máximo na única semana de férias que terei. Pode ser cliché, mas se
há paraísos na terra o primeiro fica em S. Miguel e o segundo na Madeira. Para
tal contribuem o clima ameno, a simpatia das pessoas, a limpeza da cidade (não
precisava de olhar o chão que pisava para evitar “minas de cão”), a exuberância
da flora, as paisagens vertiginosas que se avistam dos promontórios, o facto de
ter ficado alojada num hotel de charme (decadente mas, et pour cause, charmoso), localizado na
parte alta do centro da cidade, donde se via o porto banhado por um sol
esplendoroso e o Monte envolto em nuvens baixas prenhas da chuva que nos
fustigava de cada vez que fugíamos numa incursão em altura.
Claro que faziam falta menos túneis e menos betão e é
verdade que o Funchal, visto de Câmara de Lobos, é perigosamente parecido com
algumas estâncias balneares do Algarve. Mas, no essencial, reencontrei o que esperava
e precisava.
Gastronomicamente, foram as melhores experiências, talvez
por serem as mais recentes. Voltei a comer e a adorar o milho frito, apesar de
achar que o milho branco é mais desenxabido do que o amarelo. Não apreciei
grandemente o milho quente (papas de milho acabadas de cozer, moles e
sensaboronas), mas desta vez o espada negro foi o rei das minhas refeições e
recordo particularmente o “espada enrolado frito”, última refeição degustada no
Jacquet, que me deixou redonda e ko. O peixe, fresquíssimo, tinha uma fritura no ponto, sem
estar engordurado, e daqui presto os meus cumprimentos à Mlle. Jacquet, irmã do
dono e dona da cozinha.
Para prolongar o efeito das férias, resolvi iniciar as
hostilidades culinárias deste temporada com uma homenagem à gastronomia
madeirense (outras se seguirão ou não tivesse eu comprado um livro de culinária
local…).
Na impossibilidade (rectius, na ignorância…) de preparar espada preto em qualquer das
versões típicas da ilha, recorri a espada de conserva (é batota, eu sei, mas quem não tem cão caça com gato…).
Ingredientes
1 lata de
conserva de espada preto
1 batata
doce bem lavada, descascada e cortada em rodelas grossas
1 cebola
fresca cortada ao meio
Uma mão
cheia de feijão verde
1 banana da
Madeira, cortada ao meio no sentido longitudinal, a que se retira aquela
espécie de “tripa”, de novo cortado ao meio, para formar 4 bocados com o mesmo
tamanho
½ colher de
chá de mel
Para a polenta
1 chávena
pequena de carolo de milho amarelo
1 folha de
louro
Sal
A rama da
cebola
Couve
portuguesa migada (uma mão cheia)
Azeite
4 chávenas
de água fria
Confecção
Colocar num
cesto de cozer a vapor a cebola e o feijão verde e, vinte minutos depois, a
batata doce.
Enquanto os
vegetais cozem, preparar a polenta, levando ao lume o carolo de milho na água
fria, temperada com sal e uma folha de louro, mexendo sempre, até que atinja uma consistência grossa que forme bolhas. Num tacho à parte estufar, com azeite, dente de
alho e pitada de sal, a couve migada com a rama da cebola cortada em argolas
finas, deixando cozer bem. Uma vez cozida, incorporar no carolo, mexendo para
homogeneizar a repartição da couve e rama. Retirar a folha de louro e espalhar
numa taça larga e com pelo menos 5 com de altura, deixando arrefecer para
solidificar.
No mesmo
tacho em que estufou a couve e a rama, colocar os quartos de banana com um
pingo de mel em cima, tapar e levar a lume brando. Desligar quando a banana se
apresentar ligeiramente caramelizada.
Finalização
No prato de
servir, dispor um filete de espada coberto com um quarto de banana, um quadrado de polenta (correspondentes, aproximadamente, a ¼ da quantidade total
cozinhada) e os demais ingredientes a gosto.
Igualmente a
gosto foi a decoração da mesa, pontuada por pequenas homenagens à ilha, de que
destaco uns marcadores de copos que me foram oferecidos há quatro décadas e até
hoje nunca tinham sido usados e o arranjo dos guardanapos, constante do livro
aqui atrás referido…
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Com esta
entrada não só inicio a nova temporada do meu restaurante de sonho como venho
responder ao desafio lançado pela Maria, do blogue [Limited Edition],
participando no Passatempo Conservas Nero e [Limited Edition].
Obrigada pela tua participação no passatempo. Gostei muito das histórias das tuas viagens à Madeira, uma ilha da qual apenas conheço o aeroporto, da escala para Porto Santo. E, como se não bastasse, fiquei com imensa vontade de preparar este mesmo prato cá em casa! Beijinho
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